domingo, 21 de agosto de 2011

ALMAS EM CONFLITO - A.J. CRONIN

Após um jejum forçado de leituras de "lazer" (leia-se livros QUE NÃO SEJAM técnicos, de português, didática, japonês, etc), no recesso de julho reli um que há muito me deliciara, embora não seja uma obra-prima, muito pelo contrário: é muito simples, por qualquer um digerível, de linguagem tão acessível que beira o banal. Trata-se de "Almas em Conflito", do escritor escocês A. J. Cronin. No original, "The Spanish Gardener" ("O Jardineiro Espanhol") e em algumas edições recebeu este mesmo nome aqui em terras tupiniquins.

Cronin não fez parte do grupo extenso de escritores que morreram no ostracismo, ou incompreendidos no seu tempo. Obras suas viraram filmes ("Spanish Gardener" também, em 1956), e ele foi extremamente popular, vendeu livros como água, especialmente "A Cidadela" . Além disso, teve uma carreira consolidada como médico, e passou a se dedicar à literatura em virtude de uma licença: sérios problemas de saúde (teve úlcera duodenal e recebeu a ordem médica de ficar 6 meses em repouso absoluto, sob dieta)o fizeram a passar seu consultório.

"Almas em Conflito" não figura entre suas obras mais expressivas, talvez até por causa da extrema simplicidade, tanto do texto quanto do enredo: conta sobre a amizade desenvolvida entre um rico garotinho americano super protegido pelo pai e um rústico jardineiro espanhol que vai trabalhar na casa. A amizade dos dois desperta inúmeras intrigas, fomentadas pelo preconceito, pela inveja, e pela possessividade do pai.

Simples assim. Porém, Cronin concebeu um livro extremamente singelo: a suavidade que desfila nas páginas do romance em breve se converte em tensão. Nicholas, de 9 anos, é o filho único do cônsul americano Harrington Brande, transferido para uma remota cidadezinha no litoral da Espanha (para onde vai com extrema má vontade, sentindo-se diminuído por isso). José é um jovem de 19 anos, muito querido e popular no vilarejo onde vive, que vai trabalhar como jardineiro na casa do cônsul. Brande, tendo sido abandonado pela mulher, se agarra ao filho como razão de sua vida, transformando o amor em sentimento de posse. O menino é tratado como uma criança doente(sem o ser), sendo exageradamente protegido, sufocado. Nem ao menos brinca ao ar livre ou frequenta uma escola; seu próprio pai "cuida" de seus estudos, chegando ao cúmulo de ler, para o menino dormir, um livro de ornitologia (parte da biologia que estuda as aves)!

Considerado doentio, frágil, incapaz mesmo de ser criança, passa seus dias lendo, estudando, recluso, preso como um passarinho. Com uma vidinha triste como essa, e sem ter contato com outros seres humanos que não seu possessivo pai, era inevitável não se encantar com o recém contratado do sisudo Mr. Brande: o jardineiro José, além de jovem, robusto, vigoroso, alegre e bem-humorado, era atraente e cheio de vida. Vida a qual lhe parecia ser negada, vida em plenitude. A felicidade, o otmismo, a doçura, malgrado sua simplicidade e pobreza, são um íma para o pobre menino rico. E o pesadelo de Mr. Brande toma forma: seu adorado filhinho começa a admirar, a amar outra pessoa. Não apenas a ELE. E, pior, é correspondido.

Antes que alguma adepta do "yaoi" se assanhe, aviso: o amor que se desenvolve entre os dois NÃO é de cunho romântico. Não se trata de relação homossexual, aqui. Nicholas vê em José tudo aquilo que ele queria ser: vigoroso, auto-suficiente, alegre e livre. E José vê em Nicholas um irmãozinho mais novo, vítima de um amor sufocante, que necessita de libertação, de conhecer a vida. A relação entre ambos obviamente é proibida, sendo Nicholas rico e filho do patrão, e José um reles empregado, pobre e rústico (e a história se passando no início do século XX faz com que a separação social seja ainda mais intransponível). Cenas divertidas, ternas, deliciosas, se passarão, até o sol deste dia luminoso ser bloqueado pelas maquinações de homens mesquinhos, pelo preconceito que tão linda relação desperta, pelo orgulho ferido de um pai doentiamente egoísta que não mais se vê no centro do mundo de seu filhinho.

Hoje, que se fala tanto em homofobia, se discute tanto sobre aspectos de preconceito, este livro deveria ser mais conhecido e considerado. Não só pela linguagem acessível, que muito com isso colabora, como pelo enredo, é muito atual.

Tenho o sonho (gostaria de dizer "plano", mas a julgar pelo ritmo de minha vida - já me sinto um tanto culpada de aqui estar escrevendo, ao invés de estar cuidando de meus afazeres - é mais "sonho", mesmo) de algum dia quadrinizar essa história. É, eu tenho essa vontade com outras histórias também... ai ai. "Crime e Castigo", "A Dança dos Ossos", "Werther"... me aguardem, um dia me aposento.























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